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Da natureza privada dos créditos dos Fundos FINOR e FINAM (parte 2): Reflexos nas execuções fiscais ajuizadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional

Contexto: o FINOR e o FINAM são fundos de investimento cujos recursos advieram, em sua quase totalidade, de renúncias fiscais definitivas outorgadas pela União a empresas que eram tributadas pelo Lucro Real, a quem eram possibilitadas optar por destinar uma parcela do que seria devido de IRPJ ao investimento no FINOR ou FINAM.

A partir dessa opção, a empresa recebia Certificados de Investimento que representavam quotas do respectivo Fundo. Em outras palavras, ela se tornava dona de uma fração do Fundo. Posteriormente, esses recursos do FINOR/FINAM eram investidos em empresas cujos projetos haviam sido aprovados pela respectiva Autarquia de Desenvolvimento Regional, SUDENE ou SUDAM.

Por esse mecanismo, as empresas investidas pelo Finor/Finam já recebiam recursos aos quais a União havia renunciado definitivamente em favor dos optantes (pessoas distintas das investidas), em contrapartida ao investimento nos Fundos (Bancos diversos como Itaú, Bradesco, e grandes empresas, Volkswagen, Chevrolet, etc.). Em razão da renúncia definitiva prévia por parte da União, os recursos recebidos pela investidas já eram privados e titularizados pelos Fundos, os quais, por sua vez, pertencem aos optantes.

Concluído o projeto nos estritos termos aprovados, a empresa investida recebia o Certificado de Empreendimento Implantado, emitido pela respectiva Autarquia, e os títulos emitidos em favor do Fundo Investidor seriam negociados: as debêntures seriam pagas em dinheiro ou convertidas em ações, conforme o caso, e as ações emitidas iriam a leilão.

Se constatada irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo, o projeto deveria ser cancelado e a empresa investida impelida a devolver os recursos ao respectivo Fundo, sob pena de execução judicial a ser promovida pela respectiva agência de desenvolvimento regional.

Problema e impactos: Havendo cancelamento do projeto por desvios na aplicação dos recursos, a União, por meio da Procuradoria da Fazenda Nacional, vem inscrevendo tais créditos em dívida ativa, aumentando, assim, seu ativo contábil (com créditos de terceiros, vez que pertence ao FINOR ou ao FINAM), e cobrando-os por meio de execução fiscal.

Entretanto, em tais casos, o crédito perseguido pela União, deve, invariavelmente voltar aos cofres do FINOR ou FINAM, conforme o caso, consoante o §7º do artigo 12 e o caput do artigo 15 da Lei nº. 8.167/91, os quais expressam:

“Art. 12 – (…) § 7o Em qualquer hipótese, se forem constatados indícios de desvio na aplicação dos recursos liberados, aplicam-se as regras dos arts. 12 a 15 desta Lei.”

“Art. 15. As importâncias recebidas, na forma do art. 12, reverterão em favor do Fundo correspondente, cabendo ao Banco Operador respectivo, caso os títulos já tenham sido negociados, promover a emissão de novas quotas.”

E, como para poder ser inscrito em dívida ativa, o crédito vencido, obrigatoriamente, deve ser (a favor) da Fazenda Pública, de forma que constitua receita orçamentária do ente que o inscreve, tal inscrição, à míngua de lei que a autorize, é manifestamente ilegal.

Nesse sentido se encontra o disposto no artigo 39, caput e §1º da Lei nº. 4.320/64:

“Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.

§1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.

§ 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.” – sem os grifos no original

À luz do diploma legal invocado, depreende-se que só podem ser inscritos em dívida ativa os créditos orçamentários a favor da fazenda pública já vencidos e não adimplidos. Sobre o tema, merece transcrição trecho do voto exarado pelo Ministro Herman Benjamin, no julgamento do Resp nº. 991.987-PR, in verbis:

“Para ser executado judicialmente no regime da Lei 6.830/1980, o crédito, qualquer que seja a sua origem, deve estar na titularidade da Fazenda Pública, gozar dos atributos da liqüidez e certeza e ser inscrito na respectiva dívida ativa, observadas as formalidades legais. Inteligência do art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964”

Ou seja, o crédito, para ser inscrito em dívida ativa com fulcro no artigo 39 e §§ da Lei nº. 4.320/64, deve, portanto, PERTENCER efetivamente à Fazenda Pública. Na hipótese ora tratada, a CDA apresentada pela União Federal representa créditos de terceiros, privados, ainda mais.

Vale salientar que a própria PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL, por meio da COORDENAÇÃO GERAL DE ASSUNTOS FINANCEIROS – CAF, emitiu o Parecer PGFN/CAF/Nº. 701/2015 em que expressa LITERALMENTE que o FINOR e o FINAM são fundos de investimentos privados!

Ou seja, a própria Fazenda Nacional reconhece que o crédito não poderá ser cobrado como ressarcimento ao erário, visto que é pertencente ao FINOR/FINAM, devendo a este ser restituído.

Nessa esteira, tratando-se de crédito privado e extraorçamentário, pertencente ao FINOR/FINAM, não poderia a União inscrevê-lo em dívida ativa e cobrar para si. Nesse ponto, destaca-se que não se insurge apenas contra a legitimidade da União, mas, também, contra a possibilidade de constituição em Dívida Ativa de um crédito pertencente ao FINOR.

Ocorre ainda que, mesmo que a União arrecadasse tais recursos, estes teriam que ser repassados ao FINOR/FINAM, de forma que essa movimentação financeira seria enquadrada como um ingresso extraorçamentário. E, como se verifica do artigo 3º, § único da Lei nº. 4.320/64[1], as entradas compensatórias (ingressos extraorçamentários) não são consideradas receitas, e, consequentemente, não estão compreendidas pela Lei de Orçamentos.

Tais certidões de dívidas ativa inscritas pela UNIÃO à míngua de lei expressa contrariam frontalmente a nossa jurisprudência, tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça, quando do Julgamento Representativo de Controvérsia no RESP nº 1350804-PR, relativo à inscrição em dívida ativa pelo INSS de créditos oriundos de fraude, decidiu que há a necessidade de lei expressa para se inscrever débitos em dívida ativa, não podendo ser ampliado o conceito de dívida ativa não tributária sob pena de infringência ao princípio da legalidade.

Assim, indiscutível que a inscrição fere o princípio constitucional da legalidade administrativa e deve ser considerada nula, de modo que as execuções fiscais por elas lastreadas devem ser extintas.


[1]“Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá tôdas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.

Parágrafo único. Não se consideram para os fins deste artigo as operações de credito por antecipação da receita, as emissões de papel-moeda e outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros.” – sem os grifos no original