Contexto: o FINOR e o FINAM são fundos de investimento cujos recursos advieram, em sua quase totalidade, de renúncias fiscais definitivas outorgadas pela União a empresas que eram tributadas pelo Lucro Real, a quem eram possibilitadas optar por destinar uma parcela do que seria devido de IRPJ ao investimento no FINOR ou FINAM.
A partir dessa opção, a empresa recebia Certificados de Investimento que representavam quotas do respectivo Fundo. Em outras palavras, ela se tornava dona de uma fração do Fundo. Posteriormente, esses recursos do FINOR/FINAM eram investidos em empresas cujos projetos haviam sido aprovados pela respectiva Autarquia de Desenvolvimento Regional, SUDENE ou SUDAM.
Por esse mecanismo, as empresas investidas pelo Finor/Finam já recebiam recursos aos quais a União havia renunciado definitivamente em favor dos optantes (pessoas distintas das investidas), em contrapartida ao investimento nos Fundos (Bancos diversos como Itaú, Bradesco, e grandes empresas, Volkswagen, Chevrolet, etc.). Em razão da renúncia definitiva prévia por parte da União, os recursos recebidos pela investidas já eram privados e titularizados pelos Fundos, os quais, por sua vez, pertencem aos optantes.
Concluído o projeto nos estritos termos aprovados, a empresa investida recebia o Certificado de Empreendimento Implantado, emitido pela respectiva Autarquia, e os títulos emitidos em favor do Fundo Investidor seriam negociados: as debêntures seriam pagas em dinheiro ou convertidas em ações, conforme o caso, e as ações emitidas iriam a leilão.
Se constatada irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo, o projeto deveria ser cancelado e a empresa investida impelida a devolver os recursos ao respectivo Fundo, sob pena de execução judicial a ser promovida pela respectiva agência de desenvolvimento regional.
Problema e impactos: Como tratado nas publicações anteriores sobre o tema, a União, por meio de sua Procuradoria da Fazenda Nacional, vem inscrevendo em dívida ativa e cobrando por meio de sua execução fiscal os créditos oriundos do cancelamento por desvio de finalidade dos projetos FINOR e FINAM, entretanto, desde, pelo menos o ano de 2007, a Fazenda Nacional não possui legitimidade para figurar no polo ativo de tais execuções.
É que, a Lei 8.167/91, que alterou a legislação acerca dos Fundos de Investimentos Regionais, dispôs acerca da responsabilidade para a cobrança judicial dos valores apurados quando da constatação de desvio na aplicação de recursos, após processo administrativo:
Art. 13. A apuração dos desvios das aplicações dos recursos dos Fundos será feita mediante processo administrativo a ser instaurado pela Superintendência de Desenvolvimento Regional, que solicitará, quando julgar necessário, a participação do Banco Operador, admitida ao infrator ampla defesa.
Art 14. A falta de recolhimento, pela empresa beneficiária, dos valores apurados em processo, no prazo de trinta dias contados da data do recebimento da comunicação do cancelamento, importará na execução judicial a ser promovida pela agência de desenvolvimento regional. – sem os grifos no original
Note-se, então, que a legislação pertinente ao tema determina, expressamente, a competência da agência de desenvolvimento regional para execução dos valores apurados em processo administrativo e não recolhidos voluntariamente pela empresa beneficiária após o prazo concedido.
Todavia, as Medidas Provisórias nºs. 2.156-5 e 2.157-5, ambas de 2001, extinguiram a SUDENE e a SUDAM, criando – em seus lugares – a ADENE, Agência de Desenvolvimento do Nordeste, e a ADA, Agência de Desenvolvimento da Amazônia. Veja-se:
MP 2.156-5 – 24.08.2001
Art. 21. Fica extinta a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)
§ 1o Observado o disposto nos arts. 9o e 15, as competências atribuídas pela legislação à SUDENE e ao seu Conselho Deliberativo ficam transferidas para a União. (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)
§ 2o A União sucederá a SUDENE nos seus direitos e obrigações. (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)
MP 2.157-5 – 24.08.2001
Art. 21. Fica extinta a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM. (Revogado pela Lei Complementar nº 124, de 2007)
§ 1o Observado o disposto nos arts. 9o e 15, as competências atribuídas pela legislação à SUDAM e ao seu Conselho Deliberativo ficam transferidas para a União. (Revogado pela Lei Complementar nº 124, de 2007)
§ 2o A União sucederá a SUDAM nos seus direitos e obrigações. (Revogado pela Lei Complementar nº 124, de 2007)
À luz de tais permissivos normativo,s pois, a União, representada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, vem ajuizando execuções fiscais perseguindo créditos pertencentes a tais fundos, julgando-se, portanto, parte legítima para postular em Juízo créditos do FINOR e do FINAM.
Ocorre, porém, que, em 03/01/2007, a SUDENE e a SUDAM foram novamente recriadas através das Leis Complementar nºs 124 e 125/2007, extinguindo-se a ADENE e a ADA:
LC nº 124/2007
Art. 18. A Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA será extinta na data da publicação do decreto que estabelecer a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM.
LCP nº 125/2007
Art. 21. Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE será extinta na data de publicação do decreto que estabelecerá a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE
Assim, com a publicação das LCs 124 e 125/2007, a legitimidade da União, enquanto sucessora da SUDENE e da SUDAM, bem como da Procuradoria da Fazenda Nacional, enquanto sua representante judicial, cessou, sobretudo para a cobrança de créditos do FINOR e do FINAM decorrentes de suposto desvio na aplicação de seus recursos ou paralização.
E assim o é porque o artigo 22, da LC nº 124/2007 e o artigo 24 da LC nº 125/2007 revogaram expressamente os artigos 21, § 2º, das MPs nºs 2.156-5/2001 e 2.157-5/2001, justamente os dispositivos que estabeleciam a União como sucessora da SUDENE e da SUDAM em seus direitos e obrigações:
LC nº 124/2007
Art. 22. Ficam revogados a Lei Complementar no 67, de 13 de junho de 1991, os arts. 1o, 2o, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 e o parágrafo único do art. 5º da Medida Provisória nº 2.157-5, de 24 de agosto de 2001.
LC nº 125/2007
Art. 24. Ficam revogados a Lei Complementar no 66, de 12 de junho de 1991; os arts. 1º, 2º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 e o parágrafo único do art. 5º da Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2001; e o art. 15-A da Lei no 7.827, de 27 de setembro de 1989.
Ora, a consequência lógica da REVOGAÇÃO EXPRESSA dos supra transcritos dispositivos legais é a perda da competência da União e da PFN para figurarem no polo ativo, como parte ou como representante judicial, de execuções fiscais alicerçadas em CDA cujo crédito nela inscrito decorre de processo administrativo apuratório de desvio de recursos do FINOR ou do FINAM.
Inclusive, essa é a baliza trazida pelo art. 14 da Lei nº. 8.167/91, jamais revogado:
Lei nº. 8.167/91
Art 14. A falta de recolhimento, pela empresa beneficiária, dos valores apurados em processo, no prazo de trinta dias contados da data do recebimento da comunicação do cancelamento, importará na execução judicial a ser promovida pela agência de desenvolvimento regional.
Tal entendimento, inclusive, é corropoborado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, que, em reiterados precedentes, tem reconhecido a ilegitimidade da união para executar créditos advindos do FINOR, fundo coirmão do FINAM:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SUPOSTA OFENSA AO ARTIGO 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DO VÍCIO. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA EXECUTAR OS CRÉDITOS ORIUNDO DO FINANCIAMENTO DO NORDESTE (FINOR) A PARTIR DA LEI COMPLEMENTAR 125/2007. LEGITIMIDADE DA SUDENE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC.
2. Conforme o disposto no art. 22 da LC 125/2007, a SUDENE sucedeu a ADENE em seus direitos e obrigações. Sendo assim, diante da natureza autárquica e da autonomia financeira e orçamentária de tal ente, cabe a nova SUDENE a partir da publicação da LC 125/2007, a legitimidade para figurar no polo ativo de demanda que visa cobrar os créditos advindos do Fundo de Investimento do Nordeste – FINOR. No mesmo sentido, o Recurso Especial n.º 1.357.788, Relator Ministro Herman Benjamin.
3. Recurso Especial provido. (REsp 1482588 / SE, MAURO CAMPBELL, DJe 03.09.2015)
Esse também é o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região (PROCESSO: 0809929-18.2018.4.05.0000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª Turma, JULGAMENTO: 20/09/2018; PROCESSO: 0801360-28.2018.4.05.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª Turma, JULGAMENTO: 25/10/2018; PROCESSO: 00074458220104058200, APELREEX34712/PB, DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (CONVOCADO), Quarta Turma, J. em 05/09/2017, DJe de 15/09/2017; AGTR 136971//PE, MANOEL ERHARDT, DJe 12.06.2014)
Saliente-se, assim, que o tema em comento não encerra entendimento isolado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas sim jurisprudência consolidada desta Egrégia Corte, alicerçada em precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.
Destarte, a outra conclusão não se chega senão a de que, a partir da entrada em vigor das Leis Complementares nº 124 e 125/2007, e com a consequente recriação da SUDENE e da SUDAM, carece de legitimidade ativa a Fazenda Nacional para cobrar os créditos oriundos de cancelamento de projetos.