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Da natureza privada dos créditos dos Fundos Finor e Finam (final)

Parte IV – Da Incompetência do Ministério da Integração Nacional Para Cancelamento de Projeto FINOR/FINAM

Contexto:

O Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) e o Fundo de Investimentos da Amazônia (FINAM) são fundos de investimento cujos recursos advieram, em sua quase totalidade, de renúncias fiscais definitivas outorgadas pela União a empresas que eram tributadas pelo Lucro Real, a quem eram possibilitadas optar por destinar uma parcela do que seria devido a título de IRPJ ao investimento no FINOR ou FINAM.

A partir dessa opção, a empresa optante/investidora recebia Certificados de Investimento que representavam quotas do respectivo Fundo. Em outras palavras, ela se tornava dona de uma fração do Fundo. Posteriormente, esses recursos do FINOR/FINAM eram investidos em empresas cujos projetos haviam sido aprovados pela respectiva Autarquia de Desenvolvimento Regional, SUDENE ou SUDAM, as chamadas empresas incentivadas.

Por esse mecanismo, as empresas investidas pelo FINOR/FINAM já recebiam recursos aos quais a União havia renunciado definitivamente em favor dos optantes (pessoas distintas das investidas), em contrapartida ao investimento nos Fundos (Bancos diversos como Itaú, Bradesco, e grandes empresas, Volkswagen, Chevrolet, etc.). Em razão da renúncia definitiva prévia por parte da União, os recursos recebidos pelas investidas já eram privados e titularizados pelos Fundos, os quais, por sua vez, pertencem aos optantes.

Concluído o projeto nos estritos termos aprovados, a empresa investida recebia o Certificado de Empreendimento Implantado, emitido pela respectiva Autarquia, e os títulos emitidos em favor do Fundo Investidor seriam negociados: as debêntures seriam pagas em dinheiro ou convertidas em ações, conforme o caso, e as ações emitidas iriam a leilão.

Se constatada irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo, o projeto deveria ser cancelado e a empresa investida impelida a devolver os recursos ao respectivo Fundo, sob pena de execução judicial a ser promovida pela respectiva agência de desenvolvimento regional.

Problemas e impactos:

Conforme tratado na publicação anterior, após a entrada em vigor da Leis Complementares nºs 124 e 125/2007, foram revogados os dispositivos legais que conferiam à União a sub-rogação nos direitos e obrigações da SUDENE e da SUDAM, com a recriação das referidas autarquias federais.

Dessa maneira, a partir de 04/01/2007, data da entrada em vigor das supracitadas leis, o Ministério da Integração Nacional se tornou incompetente para promover o cancelamento de projetos do FINOR e do FINAM, retornando tal incumbência aos Conselhos Deliberativos das Superintendências de Desenvolvimento Regionais (da SUDENE e da SUDAM), à luz da legislação pertinente ao tema. Explica-se.

De início, convém expor que a Lei 8.167/91, atinente às condições operacionais dos Fundos de Investimentos Regionais, assim prevê:

Art. 12. A aplicação dos recursos dos fundos será realizada em estrita consonância com os objetivos do projeto e em conformidade com todas as cláusulas condicionantes quando da sua aprovação pelo Conselho Deliberativo das Superintendências de Desenvolvimento Regional.

§ 1o O descumprimento do disposto no caput deste artigo, que caracterize desvio da aplicação de recursos, resultará:

I – no cancelamento, pelo Conselho Deliberativo da respectiva Superintendência, dos incentivos aprovados;

A norma acima transcrita distingue que, nos casos de desvio na aplicação de recursos, o cancelamento do investimento será de responsabilidade do Conselho Deliberativo da respectiva Superintendência.

Por um período de tempo, entre a extinção e a recriação da SUDENE e da SUDAM (entre a entrada em vigor das MPs 2.156 e 2.157 e o início da vigência das LCs 124 e 125 de 2007), a União, realmente, foi competente para promover tais cancelamentos, por força dos dispositivos legais a seguir transcritos:

MP 2.156-5 – 24.08.2001

“Art. 21.  Fica extinta a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE.                           (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)

§ 1o  Observado o disposto nos arts. 9o e 15, as competências atribuídas pela legislação à SUDENE e ao seu Conselho Deliberativo ficam transferidas para a União.                           (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)

§ 2o  A União sucederá a SUDENE nos seus direitos e obrigações.      (Revogado pela Lei Complementar nº 125, de 2007)”

MP 2.157-5 – 24.08.2001

“Art. 21.  Fica extinta a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM.                       (Revogado pela Lei Complementar nº 124, de 2007)

§ 1o  Observado o disposto nos arts. 9o e 15, as competências atribuídas pela legislação à SUDAM e ao seu Conselho Deliberativo ficam transferidas para a União.                    (Revogado pela Lei Complementar nº 124, de 2007)

§ 2o  A União sucederá a SUDAM nos seus direitos e obrigações.                          (Revogado pela Lei Complementar nº 124, de 2007)”

Entretanto, como já visto na publicação anterior, o artigo 22 da LC nº 124/2007 e o artigo 24 da LC nº 125/2007 revogaram expressamente os artigos 21 e seus parágrafos das MPs nºs 2.156-5/2001 e 2.157-5/2001, de modo que, desde então, não mais compete à União as atribuições da SUDENE e da SUDAM, dentre elas a de cancelar projetos do FINOR e do FINAM (art. 12 da Lei nº. 8.167/91).

Além disso, as LCs nºs 124 e 125/2007 preveem em seus arts. 11, os quais possuem idêntica redação:

Art. 11.  Compete à Diretoria Colegiada:

(…)

XII – notificar e aplicar as sanções previstas na legislação;

Isto posto, é de clareza solar que a entrada em vigor das LCs nºs 124 e 125/2007 e a recriação da SUDENE e da SUDAM devolveram às autarquias e aos seus Conselhos Deliberativos a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.167/91, inclusive a de cancelamento por desvio na aplicação de recursos, prevista no artigo 12, § 1º, I da referida lei.

Portanto, desde 04/01/2007, data da publicação da Leis Complementares nºs 124 e 125, não detém mais o Ministério da Integração Nacional (ou o Ministério que o tenha sucedido) competência para promover o cancelamento de projetos FINOR ou FINAM.

Veja-se, pois, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região sobre o tema:

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES EM AÇÃO ORDINÁRIA, COM REEXAME NECESSÁRIO. INDENIZATÓRIA POR PERDAS E DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROJETO APRESENTADO À SUDENE CANCELADO POR ATO DA UNIÃO (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO), JÁ SOB A VIGÊNCIA DA LC 125/2007, QUE “RECRIOU” A SUDENE. ATO ADMINISTRATIVO NULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA OCORRÊNCIA DE DANOS. VIABILIDADE DE COMPENSAÇAO DE HONORÁRIOS EM SEDE DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. I – Ação ordinária movida contra a UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), por empresas e sócios, objetivando ressarcimento por danos morais e matérias decorrentes do cancelamento, pelo ente federativo, do processo de apreciação, no âmbito da SUDENE, de um processo de captação de recursos do Fundo de Investimento do Nordeste – FINOR. II- Inexistência de cerceamento de defesa por indeferimento da produção de prova pericial, já que a parte não agravou da interlocutória que dispensou esse tipo de prova. Preclusão. III – A SUDENE, criada pela Lei 3.692, de 15 de dezembro de 1959, foi extinta através da Medida Provisória 2.156-5/2001, absorvida então pela AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE – ADENE, sendo que no art. 21, §§ 2º E 5º está conferida à UNIÃO (especificamente ao Ministério da Integração Nacional) a competência para tratar de ativos e passivos da SUDENE. Ocorre que adveio a Lei Complementar nº 125/2007, recriando a SUDENE, revogando a acima citada Medida Provisória. IV – Nesse diapasão, por força do art. 11, inciso XII, da Lei Complementar 125/2007, tocou exclusivamente à Diretoria Colegiada da SUDENE a notificação e a aplicação das sanções previstas na legislação pertinente, sendo que ao caso em baila aplica-se a Lei 8.167/91, art. 12, § 1º, I. Portanto, tendo-se em vista que a execução em referência (0004896-65.2011.4.05.8200) foi aforada em 2011 – cinco anos após a entrada em vigor da LC 125/2007 – é de ser dado provimento do recurso dos particulares, para que advenha a declaração de nulidade da Resolução nº 15, já que o Departamento de Gestão dos Fundos de Investimentos da Secretaria Executiva, no Ministério da Integração Nacional, não detém competência para desconstituir os projetos da SUDENE. Decorre daí a ilegitimidade ativa da União para executar créditos oriundos do FINOR. V – Reconhecimento da nulidade da Resolução nº 15, do Departamento de Gestão dos Fundos de Investimentos da Secretaria Executiva, do Ministério da Integração Nacional, que cancelou o projeto apresentado pelos apelantes à SUDENE, para obter recursos do FINOR. VI – Da jurisprudência do TRF5: AGTR 136971//PE, MANOEL ERHARDT, DJe 12.06.2014; AC525870/RN, CESAR CARVALHO, DJe 03.02.2012). E do STJ: REsp 1482588 / SE, MAURO CAMPBELL, DJe 03.09.2015. VII – Opera extra petita a sentença que exclui parte do valor da execução de título cambiário em curso em outro juízo (em vara comum da Justiça Estadual, bem como não pode subsistir o capítulo da sentença que direciona comando a ente alheio ao rol do art. 109 da Constituição (o BANCO DO NORDESTE DO BRASIL – BNB). VIII – Não há vedação no Código de Processo Civil de 1973 para a compensação de honorários advocatícios em casos, como o da espécie, de sucumbência recíproca. Ressalva do entendimento pessoal do relator, que entende ser aplicável o CPC/2015 a todos os processos em andamento (art. 14). IX – Apelação dos particulares parcialmente providas. Apelação da UNIÃO e reexame necessário improvidos. (APELREEX nº 34.712/PB, TRF5, Quarta Turma, Des. Rel. Conov. Ivan Lira de Carvalho, DJe 15/09/2017) – sem os grifos no original.

Desta feita, a nulidade dos atos de cancelamento de projetos praticados pelos ministros, diretores e/ou gerentes do Ministério da Integração Nacional (ou dos ministérios que lhe sucederam) desde o dia 04/01/2007 é clara, porquanto este não possuía competência para desconstituir projetos da SUDENE ou da SUDAM.

Leia também:

Da natureza privada dos créditos dos Fundos FINOR e FINAM (I)

Da natureza privada dos créditos dos Fundos FINOR e FINAM (II)

Da natureza privada dos créditos dos Fundos FINOR e FINAM (III)