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Da natureza privada dos créditos dos Fundos FINOR e FINAM (I)

Contexto:

Parte I – Reflexos na aplicação das Leis 7.347/85 e 8.429/92

Contexto

O Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) e o Fundo de Investimentos da Amazônia (FINAM) são fundos de investimento cujos recursos advieram, em sua quase totalidade, de renúncias fiscais definitivas outorgadas pela União a empresas que eram tributadas pelo Lucro Real, a quem eram possibilitadas optar por destinar uma parcela do que seria devido a título de IRPJ ao investimento no FINOR ou FINAM.

A partir dessa opção, a empresa optante/investidora recebia Certificados de Investimento que representavam quotas do respectivo Fundo. Em outras palavras, ela se tornava dona de uma fração do Fundo. Posteriormente, esses recursos do FINOR/FINAM eram investidos em empresas cujos projetos haviam sido aprovados pela respectiva Autarquia de Desenvolvimento Regional, SUDENE ou SUDAM, as chamadas empresas incentivadas.

Por esse mecanismo, as empresas investidas pelo FINOR/FINAM já recebiam recursos aos quais a União havia renunciado definitivamente em favor dos optantes (pessoas distintas das investidas), em contrapartida ao investimento nos Fundos (Bancos diversos como Itaú, Bradesco, e grandes empresas, Volkswagen, Chevrolet, etc.). Em razão da renúncia definitiva prévia por parte da União, os recursos recebidos pelas investidas já eram privados e titularizados pelos Fundos, os quais, por sua vez, pertencem aos optantes.

Concluído o projeto nos estritos termos aprovados, a empresa investida recebia o Certificado de Empreendimento Implantado, emitido pela respectiva Autarquia, e os títulos emitidos em favor do Fundo Investidor seriam negociados: as debêntures seriam pagas em dinheiro ou convertidas em ações, conforme o caso, e as ações emitidas iriam a leilão.

Se constatada irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo, o projeto deveria ser cancelado e a empresa investida impelida a devolver os recursos ao respectivo Fundo, sob pena de execução judicial a ser promovida pela respectiva agência de desenvolvimento regional.

Problemas e impactos

A despeito da legislação própria de regência, o Ministério Público Federal ajuizou diversas ações civis públicas sob o rito da Improbidade Administrativa, com o fito de cobrar recursos desses fundos, diretamente para o erário, infringindo a legislação pertinente e o direito patrimonial dos quotistas – donos do fundo, em última análise.

Esses valores, irregularmente cobrados pelo MPF, não são de titularidade da União, mas, sim, dos Fundos FINOR e FINAM, dos quais a União não mais participa. Sabe-se que a União já foi, no passado, titular de posição residual nos referidos Fundos, como indistinta quotista, nas ínfimas proporções a seguir demonstradas, extraídas do Boletim de Participações Societárias da União, ano de 2017, elaborado pelo Tesouro Nacional:

Contudo, cumpre destacar que tal participação não mais subsiste, conforme se extrai do Boletim das Participações Societárias da União do ano de 2020, confeccionado em dezembro de 2021, onde registrou-se a liquidação das cotas da União em relação ao FINOR e ao FINAM, de forma que este não mais possui qualquer participação societária daquela:

Como o Tesouro Nacional não é o titular dos valores devidos, não poderia o MPF cobrar diretamente para o erário, sob o rito das Leis 7.347 (Ação Civil Pública) e da Lei 8.429/92 (Improbidade Administrativa) a íntegra dos créditos do FINOR e do FINAM, pois, conforme estatui o parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 8.429/92:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
(…)
§ 7º Independentemente de integrar a administração indireta, estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos, nesse caso, à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. – sem os grifos no original.

Como visto, nestes casos, poderia o MPF cobrar, no máximo, a quota respectiva à participação da União nos fundos, que, atualmente seria nula. Pensar de outra forma seria legitimar o MPF a se apropriar indebitamente de recursos de terceiros, gerando enriquecimento ilícito do Erário, às custas dos investidores privados.

Registre-se, além da ilegal cobrança dos valores, a absoluta ilegitimidade do MPF para ajuizar Ações Civis Públicas acerca do tema, pois os titulares dos Fundos, seus quotistas – eventuais beneficiários da atuação do Parquet – são individualizáveis e plenamente identificáveis, o que atrai outra restrição legal, desta vez do parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/85:

“Art. 1º  Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

l – ao meio-ambiente;

ll – ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V – por infração da ordem econômica;  

VI – à ordem urbanística;

VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

VIII – ao patrimônio público e social.

Parágrafo único.  Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.”

Traz-se abaixo o quadro resumo das posições das quotas em circulação do FINOR e do FINAM, negociáveis em Bolsa de Valores, frise-se, a título de ilustração:

Resta cristalino, portanto, que nem detém o MPF legitimidade para ajuizar ações civis públicas referentes aos créditos dos Fundos FINOR e FINAM e nem tampouco poderia cobrá-los na íntegra, pelas razões ora expostas.

Leia também: A ausência de fato gerador da taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários nas cobranças em face de companhias outrora incentivadas pelos fundos de investimento regionais (FINOR E FINAM).